Em 1991 surge o pequeno ouriço azul chamado Sonic. Eram tempos de competição entre duas gigantes companhias da indústria dos videogames, Nintendo Vs. Sega, uma guerra de bits. Ironicamente, este ano a Nintendo World procurou os criadores do personagem para uma matéria especial de 25 anos do ouriço azul, as coisas realmente mudam com o tempo…
Eu, assim como os demais membros da Planeta D43, somos apaixonados com jogos clássicos, então temos que prestar nossa homenagem para um dos personagens mais icônicos de todos. Por isso, apresento a vocês a história completa de Sonic.
De frente com o encanador
- Hoje em dia Sonic e Mario são parceiros, ocasionalmente dividindo até o mesmo jogo, mas as coisas nem sempre foram assim.
De 1985 a 1989 a Nintendo dominava completamente o mercado de consoles caseiros, sendo o NES seu grande trunfo. Com isso, o Master System era visto em apenas 25% das residências da América do Norte, e a SEGA sabia que teria que fazer algo para mudar isso. A ideia era superar a concorrente com um aparelho de última geração. Com isso, em 1989 o Mega Drive chega ao mercado, dando a empresa uma presença forte no meio, inclusive enfraquecendo a supremacia da Nintendo. Tudo isso graças a grande quantidade de títulos de Arcade convertidos para o console, afinal, quem não iria querer jogar algo de fliperama no conforto de sua casa sem gastos com fichas.
Porém, a alegria durou pouco, com o lançamento do poderoso Super Nintendo no final do ano e um novo jogo de Super Mario Bros dominando novamente o mercado de jogos. Com isso, o até então presidente da SEGA, Hayao Nakayama, decidiu que a companhia precisa de um mascote, algo um pouco maior do que o Alex Kidd, mascote do Master System. Ele queria um personagem que pudesse representar não apenas o Mega Drive, mas a SEGA como um todo, assim como o Mickey Mouse está para a Disney.
Para isso precisariam usar os maiores talentos que possuíam, então Naoto Oshima e o programador Yuji Naka eram as melhores escolhas para mudar a história da empresa. Ambos foram responsáveis pelo RPG de sucesso do Master System, Phantasy Star. Mas ainda faltava algo nessa equipe, pois por mais que discutissem sobre o personagem, o projeto não ia para frente. Então o design de jogos Hirokazu Yasuhara aparece para mudar essa história
“Naquela época, eu estava prestes a visitar os Estados Unidos para montar uma nova equipe de R&D (na SEGA americana) com Mark Cemy” diz o presidente em entrevista a Nintendo World, “Mas então eclodiu a primeira guerra do Golfo e a mudança para os EUA foi adiada por três meses. O projeto do novo mascote evoluía, mas Naka e Oshima precisavam de um designer de jogo em tempo integral. Souberam que eu estava livre e pediram minha ajuda para desenhar o jogo antes da minha partida. Assim entrei oficialmente para o grupo como designer de jogo, e planejava trabalhar nele somente até a viajem, mas acabei ficando no Japão por um ano até terminarmos tudo”. Assim surge o a equipe que, futuramente, passa a ser chamada de Sonic Team.
Você tem que ser rápido
- Sonic mudou muito em suas diversas versões ao longo dos anos, mas sempre mantendo um padrão, a alta velocidade.
A ideia já estava plantada, a equipe formada, o que precisavam agora era de um ícone para a SEGA e um personagem que pudesse rivalizar de frente com o Mario. “Quase toda empresa de jogos na época tentava fazer jogos de ação parecidos com Mario. Ele era ótimo, mas as pessoas precisavam de novidades”, diz Yusuhara. O que o time realmente precisava então era de uma jogabilidade única e inovadora, para só então desenhar seu personagem. Com isso, Yaji Naka sugeriu que a velocidade deveria ser o principal foco do jogo. “Logo que comecei a trabalhar no projeto, lembro que olhava para os jogos da época e desejava que fossem mais legais e que seus personagens se movessem mais rápido”, cita Naka.
Tendo isso em mente, o talentoso programador criou um motor que conseguia tirar total proveito da velocidade de hardware do Mega Drive, todos seus 7.6 MHz. Segundo Yusuhara “Naka fez uma demonstração da engine que apresentava um novo método de rolar o fundo da tela com velocidade incrível. Comecei então a pensar em como poderíamos criar um jogo utilizando aquela tecnologia”.
Contudo, efetuar essa tarefa era algo mais complicado do que imaginavam, pois não sabiam como fazer o uso de um personagem extremamente veloz dentro do jogo. A ideia inicial era de um coelho que recolhia objetos com a orelha e lançava-os nos inimigos, mas esse personagem não durou muito, pois a equipe chegou à conclusão de que seria um mecanismo complexo e que atrasaria o fluxo do jogo. “O conceito de velocidade pode ser difícil para alguns e eu não queria direcioná-lo apenas aos grandes jogadores” menciona Naka.
De Tatu a Ouriço
- A imagem é de um jogo feito por fãs, mas era o que veríamos caso não tivessem escolhido o ouriço. Might o Tatu já estrelou ao lado de Sonic em um jogo oficial da Sega somente para Arcade no japão.
Um belo dia Naka surge com a brilhante ideia de que o personagem não precisasse parar para atacar seus inimigos, e uma forma de fazer isso seria transforma-lo em uma bola ao longo da corrida. Ele acreditava que assim o jogador poderia percorrer as fases e derrotar seus inimigos de uma forma completamente nova, nunca vista antes. Então, Oshima desenha dois personagens que cairiam bem a essa ideia, um tatu e um ouriço. Como a segunda opção demonstrava uma certa agressividade pelos espinhos e ao mesmo tempo carisma. A equipe decide depois de muito pensar pelo ouriço, pintando-o de azul para combinar com o logo da SEGA.
Mas não era apenas a velocidade e aparência que o time queria, eles precisavam de uma personalidade marcante. “Era o primeiro personagem a demonstrar uma ‘atitude’ para o jogador”, segundo Yasuhara. “Ou seja, ele representava algo mais do que um mero cursor”. Por isso a movimentação de mãos no menu do jogo, e a impaciência quando se fica muito tempo parado. Pode parecer pouco hoje, mas na época era algo completamente único e novo, comparando com os protagonistas de outros jogos.
Faltando apenas um nome, buscavam algo que pudesse transmitir todas as características do pequeno ouriço azul para apenas uma palavra. “Após muita reflexão, quase no final do projeto, decidimos o nome: Sonic” menciona Yasuhara.
Sonic e sua Banda
- Arte conceitual da banda de Sonic feita pelo próprio Oshima
Uma das ideias para a história do personagem se seria dá-lo uma banda. Com Sonic nos vocais, o macaco Max na guitarra, o coelho Mach na bateria, a galinha Sharpen na guitarra principal e o crocodilo Vector no teclado. Esse plano acabou sendo riscado do projeto, não aparecendo no produto final.
Pouco se sabia sobre a banda, até o lançamento do SEGA Mega Drive/ Genesis Collected Works, um livro com exibições artísticas que mostra mais sobre esses personagens. A trama aparentemente se daria pelo fato de cada membro do grupo ter sido raptado por Dr. Robotinic, e Sonic tendo que salvar um a um em cada nível. Sonic também teria uma namorada chamada Madonna, inspirada na cantora de mesmo nome.
Mesmo não fazendo parte do primeiro jogo do ouriço, todos os membros da banda apareceram em diversas histórias em quadrinhos e mangás baseados no jogo.
A Sega faz o que a Nintendo não
- Grande marketing da SEGA, com tradução similar a “Mega Drive faz o que a Nintenão”. Por muitas vezes a empresa usava a velocidade do sistema como propaganda também, chamando o de Blast Processing. (Processamento explosivo)
Para enfrentar a grande e poderoso Super Nintendo, era necessário que o visual do primeiro jogo de Sonic fosse excepcional. A criação de Naka exigia do hardware do Mega Drive mais do que qualquer outro jogo até então lançado. Segundo ele, “Não era comum utilizar gráficos em 3D na época, mas aquilo (o visual) nos influenciou bastante. Observando as palmeiras que aparecem bem no começo do jogo, por exemplo, percebe-se que foram desenhadas em um estilo poligonal 3D antigo”.
Para deixar as fases melhores o possível, a designer gráfica Rieko Kodama, que ajudou na produção de Phantasy Star junto com Naka e Oshima, entra na equipe. “Ainda era difícil posicionar os polígonos, mas os gráficos em Sonic the Hedgehog foram desenhados de forma a incorporar estilos poligonais”, explica Kodama. “Ao desenhar os estágios, confeccionei toda a área com imagens em CG. Intencionalmente, criamos o design como se tivesse sido ilustrado de forma artificial com ferramentas CG. Para falar a verdade, desenhamos cada pedacinho porque o software de gráficos ainda não era muito desenvolvido”. O resultado foi impecavelmente belo, e mesmo com intensa velocidade do personagem conseguimos notar os detalhes do cenário bem desenhado.
Uma sonoridade para durar por gerações
- A função Sound Test estava prevista para o primeiro Sonic, em que seria possível ouvir todas a trilha das fases, contudo foi removida do produto final.
A equipe também se empenhou em um outro tópico, a sonoplastia do jogo. A qualidade que buscavam era a melhor que pudessem, com uma trilha sonora que marcasse e fosse agradável de se ouvir. “Em vez da mesmice das músicas de videogame com sintetizadores FM, queríamos usar música com qualidade de rádio para demonstrar o desempenho do novo hardware de 16-bits”, cita Yasuhara. “No começo do projeto, não planejamos contratar um músico de fora da SEGA”, comenta Naka. “No entanto, meu chefe me apresentou ao sr. Masato Nakamura, membro da Dreams Come True (famosa banda japonesa). Era a primeira vez que trabalhava em um jogo, mas eu me lembro que toda a equipe ficou impressionada com uma amostra de sua música na primeira vez que a escutamos”.
Segundo Nakamura, toda a grande vontade de participar do projeto se deu pela paixão que notou em toda equipe de desenvolvimento. “O que realmente me fez querer criar a música de Sonic era que todos na SEGA estavam envolvidos num sentimento de ‘isso vai superar Mario’”, comenta, “Percebi que eu certamente faria tudo que pudesse para ajudá-los a atingir o objetivo”.
Nakamura utilizou um computador Atari para produzir as músicas do jogo, e mesmo com as diversas limitações consegue entregar uma das trilhas sonoras mais marcantes da história dos jogos digitais. “Naquele tempo, o elemento principal era o número de sons que podiam ser tocados simultaneamente, e assim era complicado decidir quais sons podia-se tirar de uma vez com um número tão limitado. Infelizmente, com o que eu dispunha, tive um limite de apenas quatro sons que poderiam ser tocados ao mesmo tempo” diz Nakamura, “Eu queria melodias que fizessem o jogador cantarolar durante o jogo, com uma música dramática nas cenas mais intensas, quando o chefe aparecesse, tudo sem perder o ritmo do som com a velocidade. Afinal, é um dos principais elementos”.
O grandioso Sonic Team original
Atualmente existem diversos “Sonic Team”, dezenas de profissionais produzindo os mais novos jogos da franquia. Mas tudo graças a 5 excepcionais profissionais que puderam trazer o que hoje é um dos maiores jogos de todos os tempos e um dos 10 títulos mais vendido no mundo.
Yuji Naka, programador: Naka hoje é um grande nome no setor de desenvolvimento de jogos. Como líder do Sonic Team, fez parte de diversos projetos da SEGA até o ano de 2006, quando deixou a empresa para abrir seu próprio estúdio, chamado Prope.
Naoto Oshima, designer de personagens: Ele continuou atuando como designer de personagens, mas também dirigiu alguns jogos como Sonic CD, Nights e Burning Rangers. Em 1999, Oshima cria o estúdio Artoon, que fez até mesmo trabalhos para Nintendo em Yoshi’s Island DS.
Hirokazu Yasuhara, designer de jogo: Após Sonic, Yasuhara continuou como designer dos leveis de Sonic 2, Sonic 3 e Sonic & Knucles, basicamente toda a série clássica de Mega Drive. Futuramente foi trabalhar para Naught Dogs na franquia de jogos Jak and Dexter.
Rieko Kodama, designer gráfica: Kodama continuou no desenvolvimento do personagem até Sonic 2, no qual aumentou muito seus esforços com a franquia. Logo depois retornou a série Phantasy Star. Trabalhou também para a produtora de Skies of Arcadia.
Masato Nakamura, compositor: Nakamura ainda é baixista da banda Dreams Come True, que é bastante famosa no Japão. Trabalhou junto com Akon para um remix de “Sweet, Sweet, Sweet”, tema final de Sonic 2 para a versão lançada nos consoles Xbox 360 e Playstation 3.
O triunfo de Sonic
- A popularidade de Sonic era tanta que em 1993 o piloto de formula 1 brasileiro Ayrton Senna levanta um troféu da SEGA no Grand Prix do Japão após grande vitória.
Sonic foi lançado em 23 de junho de 1991, (exatamente a 25 anos atrás), levando o nome da SEGA a todos ao redor do globo na era 16-bits. Sonic conseguiu se tornar um ícone até maior do que esperavam, representando não apenas a empresa, mas a indústria dos videogames como um todo. Em 1992 o personagem já se tornará surpreendentemente mais reconhecido por crianças do que o próprio Mickey, personagem que Nakayama usava como base de popularidade desejada para seu mascote.
Nos dias atuais, mesmo com o fim da SEGA no mercado de consoles, a série de jogos da franquia não demonstra nenhuma baixa, ainda vendendo milhões a cada novo lançamento ou relançamento. Como um todo, os jogos de Sonic para celulares já ultrapassam o marco de 150 milhões de downloads, além das vendas exorbitantes na Steam e outras plataformas.
Os membros originais do Sonic Team hoje seguem seus caminhos separados. Contudo, todos ainda guardam com carinho e orgulho memórias do projeto que, além de mudar suas carreiras, mudou a história dos jogos no geral. “Descobri muita coisa sobre games naquele projeto, e hoje ainda me baseio na experiência”, reflete Yusuhara. “É um game que sempre relembro ao definir a forma de criar um jogo novo. Sonic está sempre comigo”.